Entrevista 31 – 25/05/2016

25/05/2016 00h00 (GMT -3)

 

Cartunista e Ilustrador

Traduz um texto ou uma ideia através do desenho.

Meu nome é Guilherme, sou cartunista e ilustrador, trabalho com isso há mais de 20 anos ( não sei muito bem quanto tempo, precisamente) e sou aqui de Valinhos/SP.

[Escolha Profissional]
Olha, é uma pergunta bem complexa. Porque, geralmente, quando uma pessoa tem aptidão para desenho, ela começa rabiscando quando criancinha… todo mundo faz isso. E, com o tempo, as pessoas percebem que gostam disso e decidem fazer algo nesse sentido. Só que como você ainda está muito cru, você acaba indo por caminhos que te levam até isso depois.

No meu caso, foi propaganda e marketing: eu me formei em publicidade e acabei virando ilustrador em uma agência. Eu não sei dizer o momento em que eu me torei um ilustrador, mas o que eu sei dizer é que isso veio comigo sempre

[Função]
Meu pai sempre disse para mim o seguinte: “Desenho, mesmo que você tem o básico, é sempre bom, porque tudo na vida precisa de desenho. O projeto de uma casa, um projeto de um objeto, de qualquer coisa precisa de um desenho.” Então, o básico seria isso. A estrutura das coisas tem desenho. Então, quando alguém contrata um ilustrador, além do óbvio que é a ilustração que ele vai fazer, ele tem que ilustrar aquilo, seja uma ilustração editorial que ilustra a matéria, seja uma ilustração que ilustra a história de um livro infantil, então isso depende muito do que vai precisar. Mas, basicamente, ele traduz um texto ou uma ideia através do desenho.

[Atividades diárias]
A ilustração é o final. Acho que primeiro você tem que ter a base de tudo isso, que é a informação, é ler muito, entender o que você vai fazer. Porque não adianta você desenhar uma carroça se você nunca viu uma carroça. Você tem que viver a carroça

Uma vez eu perguntei ao meu mestre de desenho: “o que é arte?”. Ele falou assim: “arte é vida.”. Eu pensei: “resposta ‘mestre dos magos’, né?”. Que nunca diz nada. Eu fiquei com isso na cabeça o resto da vida. Agora, já mais velho, eu percebi que ele tinha razão. Vida porquê? Porque você tem que viver aquilo pra poder desenhar. Você vai fazer uma pirâmide, você talvez não tenha ido lá, mas se você entrar na internet e viver aquele momento de ver aquilo, você vai conseguir desenhar uma pirâmide legal. Então, viver aquela coisa te faz capaz de desenhar aquilo perfeitamente

Então, quando eu vou desenhar alguma coisa, eu sempre busco essa informação anterior. O desenho você aprende com técnicas e traços, isso é muito fácil. O difícil é você ter essa ideia anterior

[Formação]
Eu fiz propaganda em marketing, mas ao mesmo tempo eu também estudava Belas Artes porque, infelizmente, no Brasil, é uma profissão que não te dá dinheiro imediatamente. Você não pode falar que é ilustrador e vai ficar rico amanhã. Nem é uma profissão que vai ficar rico, na verdade. Porque você tem que lutar muito para conseguir sobreviver com isso. Eu não vou falar uma coisa para iludir ninguém, é um negócio difícil, você faz se gostar de verdade, entendeu? Porque é muita luta, muito estudo o tempo inteiro, desenho todos os dias. Então não adianta você se iludir pensando que comprar uma mesa, um equipamento legal, um computador bom, que você vai do nada desenhar. Tem que ter muita luta também e dedicação. Isso em tudo na vida.

Se você quer chegar num nível de mercado que tem uma técnica legal e competir com os outros, você tem que ter bagagem. E bagagem se tem com o estudo. Isso nos seus cursos de especialização, além do talento, é muito importante sim.

[Experiências necessárias]
Isso é muito pessoal, porque o traço é igual uma assinatura de cada desenhista. No começo você até copia uns e outros, se inspira no traço para poder começar. Com o tempo você vai adquirindo experiência e criando a sua própria identidade.

Eu acho que isso depende muito do que ele vai fazer. A área é muito complicada para explicar uma coisa só, um caminho apenas, mas o que eu posso dizer do meu, por exemplo, eu comecei fazendo charge para jornal, diariamente. Isso me inspirou mais porque, como você desenha todos os dias, você acaba treinando todo dia, então você vai se aperfeiçoando. Depois disso, você faz um desenho para ilustrar uma matéria, uma animação que você precisa também fazer vários desenhos e isso vai na experiência de cada um, mas o processo básico eu acho que é você começar, não pode ficar parado sem desenhar achando que eu fiz um curso e agora eu sou desenhista. Não existe desenhista que não desenha.

[Áreas de atuação]
Agência de propaganda, geralmente contratam ilustradores para fazer ilustração publicitária; editoras, para fazer ilustração infantil, ou seja lá qual for; e jornais, que hoje em dia está perdendo um pouco isso. É que eu sou um pouco mais antigo, né? Mas hoje em dia tem desenhos que você pode postar em sites na internet, que são sites de jornais, por exemplo.

Eu acho que o ilustrador, a primeira coisa que ele tem que procurar é ter um bom trabalho. Isso não vai faltar. A internet hoje é a grande vitrine para divulgação e, você divulgando lá, vai tendo o seu trabalho bem feito, eu acho que independentemente de você saber por onde começar, eles vão te dizer onde começar. Porque quando se faz um bom trabalho eles começam a te buscar, vamos dizer assim. Então eu acho que o caminho é ter um bom trabalho. É isso o que eu sempre digo. Não existe regra para começar por aqui ou por ali, mas tem que começar bem!

[Perfil do profissional]
Traço, como eu disse, é que nem uma assinatura. Então você tem o Nani [Humor], por exemplo, que é um grande ilustrador, cartunista, que você vê que o desenho dele não é um desenho perfeito. Mas as ideias dele são perfeitas. Não que o desenho dele seja ruim, não é isso, é o traço dele, sabe? Então cada um tem a sua característica. Depende do que você quer transmitir você acaba tendo um desenho mais realista, um desenho menos realista, como o André Dahmer, por exemplo, que é outro gênio do desenho, ele tem um traço bem rápido, mas ele passa a ideia no seu texto. A essência do texto dele é que é o importante.

Então, dependendo do que você quer passar, a característica tem que ser original.

[Inspiração profissional]
É difícil, viu? Eu teria que ficar aqui o dia inteiro. Acho que como você se inspira quando é criança em personagens de quadrinhos e desenhos, você vai mudando, né? É igual o gosto para comida e tudo mais

Quando eu era criança, eu tinha uma certa coisa com o Ziraldo, aqueles que desenhavam mais infantil. Passando o tempo, veio o Laerte, Angeli… veio essa santíssima trindade que é: Ziraldo, Angeli, Larte. Mas, às vezes, você se inspira naqueles que ninguém conhece: que é seu pai, sua mãe, num filho…, então com o tempo você vai mudando essa inspiração. Hoje eu me inspiro naquilo que está à minha volta: meus amigos cartunistas. A gente troca ideias, e você acaba se contaminando com elas. Então não tenho aquele ícone, sabe? Eu costumo dizer que você se inspira no que está a sua volta: notícias, tudo. Tem que se informar. Eu me inspiro hoje com informações.

[Análise da trajetória profissional]
Eu me daria muita bronca, porque eu deixei de fazer muita coisa e coisas que eu poderia ter feito, para diminuir o tempo de estudo, sabe? Estudar mais, desenhar mais. Às vezes, eu fazia muita coisa que não precisava. Coisas de adolescente, né? Mas eu acho que não dá para você falar assim: “Ah, eu mandaria ele fazer isso ou aquilo”, porque estava dentro da natureza de um adolescente, não tinha muito o que fazer. Acho que a principal seria: ganhe dinheiro, porque você vai precisar muito depois para fazer qualquer coisa

[Perspectiva da profissão]
Olha, eu vejo muita melhoria. Já está acontecendo. Porque existe um preconceito muito grande no quadrinho, porque as pessoas não consideram quadrinho como literatura, né? E bate com aquilo que eu falei lá no começo: para você fazer uma boa história, você tem que saber escrever e saber ler também, porque quem escreve tem que ler

Então assim, não é porque tem desenho bonitinho e uma frase que não é literatura. Eu acho que tudo é literatura, tudo se conversa. O cinema hoje está com essa coisa do quadrinho, só quadrinho. Então, se ele não é literatura, porque que o cinema está pegando quadrinho para fazer sendo que ele já se baseou em livros também? Então porque que não pode se conversar em paz?

Eu vejo uma melhoria nesse sentido. Eu acho que as coisas vão ter menos preconceito nessa coisa do ilustrador, quadrinho, e vão respeitar um pouco mais, como já está acontecendo.

[Remuneração]
É muito difícil essa pergunta. De valores é muito difícil porque depende do que vai fazer. Mas, uma média hoje, um ilustrador ganha, só para trabalhar para uma empresa, acho que seria uns R$2.500,00, R$3 mil. Uma média para começar.

[O profissional na sociedade]
Bom, no meu caso, eu faço charges políticas. Eu posso estar influenciando uma pessoa a pensar como eu, ou simplesmente, dando um panorama político do que está acontecendo, um resumo. Ou, como em outros trabalhos, você consegue contar a história do Brasil através da ilustração; como o do Chico Caruso, no Globo, por exemplo. Se você pegar todas as charges dele, do Globo, de quando ele começou até hoje, você consegue ter um panorama político de boa parte do que aconteceu no Brasil.

É muito perigoso às vezes você fazer uma charge política e influenciar pessoas, como na época do Hitler. Tinham ilustradores que faziam desenhos para influenciar os jovens a serem nazistas.

Então eu acho [a profissão] muito importante, não só nessa parte como naquela que eu disse de fazer desenhos, que os desenhos estão em todos os lugares.

[Pontos positivos]
Olha, o ponto positivo é que tem o glamour, né? Porque quando você consegue atingir um reconhecimento, você é muito bem tratado em todos os lugares, como qualquer profissão, quando você tem o reconhecimento, você tem suas regalias.

[Pontos negativos]
O lado negativo eu acho que é trabalhar muito com a auto estima. Quando você não está trabalhando, fazendo aquilo que você gosta, eu acho que você fica meio deprimido. Então vai chegar um momento no mercado que vai dar uma estagnada, como agora que tem a crise e todo mundo fica com medo, as coisas somem, isso em qualquer profissão. Então é saber conduzir isso de maneira positiva e tentar encaixar o seu trabalho em várias áreas para você não ficar estagnado, entendeu? Como ilustração editorial, ilustração publicitária. Ter um leque de opções para que você não passe por momentos ruins, né?

Eu acho que seria o ponto negativo. [a publicidade e a ilustração] são as primeiras a serem cortadas numa crise. Porque o cara está lá na empresa e fala: “vamos fazer propaganda esse mês?”; “não, porque está crise, né?! Não posso gastar”. Mas é o que ele teria que fazer é justamente agora para poder aparecer.

[Indicação de leitura – Confira em: goodreads.com/grupoitos ]
Hoje eu indicaria quadrinhos. Me pergunte um específico? Não, não tenho. Eu acho que você tem que buscar aquilo que você gosta.

[Mensagem Final]
Você precisa gostar muito do que faz, em qualquer profissão, mas essa especialmente, porque como eu disse, você não aprende a desenhar sem desenhar. Não existe uma pessoa que fale: “eu sou um desenhista bem sucedido e não desenho”. Eu conheço alguns desenhistas que se mantém até hoje com a fama por causa de um desenho, dois. Mas eles ficam lá parados no tempo. Então, se quer começar com isso, tem que desenhar muito. Desenhar muito. Seja com lápis, com a mesa digitalizadora, seja com giz de cera na chuva, na calçada, desenhar sempre.

[Divulgação]
Quem quiser conhecer o meu trabalho, está no Facebook.com/objetosinanimadoscartoon . Lá tem todos os desenhos que eu publico na internet e eu costumo focar em uma coisa só para não ficar muito espalhado. E o Instagram que é o @guilherme_bandeira.